THE ERA OF MICROBUDGET

Ou Como Produtores Estão Buscando Alternativas ao Financiamento de Suas Obras

 

por Aloisio Raulino

Não é de hoje que filmes, ou produtos audiovisuais, de baixo orçamento existem. Eles sempre estiveram aí. Seja pela iniciativa de um produtor obstinado, um diretor corajoso e capaz de levantar um projeto do zero, seja um ator ou atriz com uma ideia que eventualmente irá sair do papel – ainda que a custo de muito esforço e dificuldade. O mundo do audiovisual está repleto de filmes, séries de TV, filmes publicitários para marcas que não são assim tão conhecidas, obras para o mundo corporativo ou institucionais de qualquer tipo que, de uma forma ou de outra, jamais conseguiram a totalidade do orçamento que às vezes pretendiam ou almejavam. Mas que nem por isso deixaram de ser feitas. É inútil enumerar os exemplos, mas absolutamente necessário se fazer perceber que, à margem de uma suposta indústria mais poderosa, com acessos muitas vezes mais fáceis, quase ilimitados, e bem acima do que ocorre no chamado circuito independente, existe sim um universo rico em criatividade, ousadia, obstinação, procura e, por que não, negócio?    

“Um filme, ou um produto audiovisual, é um negócio sim, como qualquer outro”, afirma Cao Quintas, produtor independente responsável por dois dos maiores sucessos do cinema brasileiro recente, os filmes da Turma da Mônica, Laços, e sua continuação. “Tivemos muita dificuldade na subida do projeto, e olha que estamos falando de Mônica, um produto super conhecido, com uma possibilidade de retorno altíssima”, diz. O que Quintas quer dizer, no final das contas, é que infelizmente, apesar de sobreviver de ciclos temporários, o cinema brasileiro nunca conseguiu formar uma indústria de verdade. “Uma indústria não depende de incentivos públicos, de dinheiro governamental”, afirma. “Ela se sustenta por si própria”. Assim, é cada vez mais comum, de uns anos para cá, perceber que vários cineastas, produtores e criadores de conteúdo em geral vêm eles mesmos financiando suas obras, em muito porque não possuem o acesso e as facilidades que produtoras grandes possuem, com uma equipe que já conhece o caminho das pedras, ou tem contatos dentro do mundo corporativo. “Esse é um movimento que vem crescendo bastante”, diz Junior Perini, produtor e produtor executivo de longa data e parceiro da Sincronia Filmes em alguns projetos em andamento na casa (ver post anterior), “embora também saibamos que empreender no Brasil não é fácil”. 

No passado, este tipo de projeto estava limitado ao documentário, devido ao fato de o gênero ser indiscutivelmente mais barato e “fácil” de ser realizado do que uma produção de ficção. Tudo o que um diretor de docs precisa(va) era de uma câmera, um equipamento de som, enquanto ele mesmo saía a campo realizando entrevistas, colhendo material, filmando tudo in loco, para depois montar um produto final coerente e sem maniqueísmos. Isso ainda ocorre, mas com o acesso cada vez maior ao digital, que de uma certa forma barateou os custos, o manuseio do equipamento, o alcance destas produções não possui mais limites. E isso vem espelhando também um movimento que vem acontecendo com o cinema de ficção, com a publicidade – através do marketing digital, específico para redes sociais, geralmente feito com celular, sem custos altíssimos –, e com todo projeto que de uma forma ou de outra utiliza imagens em movimento. “A quantidade de obras feitas profissionalmente com celular é gigantesca”, diz Janaina Zambotti, produtora da Sincronia. “Hoje em dia muitos profissionais dominaram esta técnica que acabou criando uma outra linguagem, e isso é apenas a ponta do iceberg em relação às inúmeras possibilidades e facilidades oferecidas pelo digital. Há, inclusive, diretores de cinema realizando filmes em celular, como foi o caso do Tangerine (2015), filme independente americano rodado inteiramente com um iPhone 5S. Nem preciso dizer que nosso doc A Tecnologia Social teve 70% de suas imagens captadas com celular, utilizando um software de filmagem instalado nos aparelhos. isto barateou demais a produção, além de ter facilitado a resolução de problemas de ordem técnica e operacional que enfrentamos no set “, diz ela.

 

Tangerine (2015), filme independente todo rodado com um iPhone.

 

“O que na realidade estamos vendo hoje em dia”, continua Junior Perini, “é um movimento semelhante ao que aconteceu no cinema americano nos anos 1970 – quando houve um boom de produções independentes, em geral de micro-orçamentos, feitas por cineastas saídos da obscuridade ou fora do sistema de estúdio de Hollywood. Aqui, de uma certa forma, temos um “sistema de estúdio” que seria aquele dominado por grandes produtoras, por estúdios com braços em outros países e por redes de televisão que investem em um departamento de cinema – ainda que pequeno – para realizarem suas produções. Hoje, a Band possui esse departamento, o SBT possui esse departamento, sem mencionar Globo Filmes e/ou produtoras de médio porte. Quem sai desse circuito está invariavelmente na era dos micro-orçamentos. Isso traz dois problemas, e algumas vantagens ao meu ver: primeiro, a parte técnica fica comprometida, o que leva ao segundo (problema), a qualidade cai um pouco, o que dificulta o distribuidor/exibidor querer mostrar seu trabalho, pois exige um nível um pouco mais elevado. Ao mesmo tempo, muitas destas obras exibem uma criatividade, um fôlego, e um espírito de juventude que não se vê em produções mais convencionais e caras”, diz.

“MUITAS DESSAS OBRAS EXIBEM UMA CRIATIVIDADE, UM FÔLEGO

E UM ESPÍRITO DE JUVENTUDE

QUE NÃO SE VÊ EM PRODUÇÕES CONVENCIONAIS.” 

Curiosamente, ao mesmo tempo que houve esse aumento de obras self-financed (financiadas pelo próprio criador), também aconteceu a proliferação de plataformas, canais de exibição, meios de divulgação igualmente alternativos que quebraram o modo como estas obras – sejam filmes, publicidade, institucionais ou vídeos – são hoje divulgadas, vendidas e consumidas pelo público. “Impossível não mencionar o YouTube, o Vimeo, O Rumble, as plataformas de streaming, os Mubis e os Houlus da vida”, diz Cao Quintas. “Isto transformou também a maneira como interagimos com elas (as obras). Hoje em dia, assistimos a filmes, produções em geral, em telas micro (como as do celular; do tablet), o que para uma geração de muitos anos atrás era algo impensável. Imagine ver 2001 – Uma Odisseia no Espaço na tela do seu smartphone. Isso cria uma outra relação com o filme – para o bem e para o mal”. 

E isto, de uma certa forma, também espelha a formação de novos profissionais para este mercado. Conjuntamente aos novos meios de produção e distribuição, as escolas, as universidades e os cursos técnicos tiveram que se modificar e se adaptar. “Hoje em dia, o jovem que decide entrar neste mercado de TV, publicidade ou mesmo cinema precisa estar conectado, ligado a várias coisas”, continua Perini. “Não dá mais para se especializar em uma única área – o mesmo cara que faz som para você é o mesmo que produz, dirige, escreve ou faz jornalismo para redes sociais e afins. isso provocou o surgimento de um outro tipo de profissional, o profissional adaptável ao meio, porque sabe que, se não fizer isso, fatalmente será expelido dele”, diz. Em outras palavras, o que tanto Perini quanto Cao Quincas querem dizer é que, hoje em dia, orçamentos milionários, propostas mirabolantes ou produções caras e complicadas, deixaram de ser uma espécie de padrão de qualidade, apesar de grandes marcas, veículos e produtoras gigantes, ainda se utilizarem dele – o mais importante, no entanto, e isso vale para todos, ainda é a criatividade, o talento, a adaptabilidade ao meio, é saber que, mesmo com pouco, é possível se fazer muito. Não há dinheiro que possa comprar esses conhecimentos.

Aloisio Raulino é jornalista aposentado e entusiasta das artes em geral.