THE DESIGN FOR SOUND

O Que é o Poder do Som e Seu Impacto na Experiência do Usuário

 

por Lucas Batista

Artigos | 29 de Novembro de 2022

 

Muito pouco se fala ou se dá atenção a esta arte (sim, é uma arte), mas ela é tão importante e essencial a um projeto audiovisual quanto as imagens que você vê rolando na tela. Não custa lembrar que desde que o cinema surgiu, ainda no final do século dezenove, e então com os desdobramentos que as imagens em movimento ganharam – televisão; publicidade; e mais tarde com o surgimento e aperfeiçoamento do vídeo, até chegarmos ao digital de última geração –, ele sempre foi a junção perfeita entre imagem e som, ou imagem e música no cinema mudo. Com o aparecimento do som, e toda a sofisticação que este último foi ganhando, o impacto que o desenho do som foi dando às produções em muito contribui não apenas para o envolvimento sensorial e imagético do produto (qualquer que seja ele), mas também sobre a percepção do espectador a respeito do mundo ao seu redor. Mas o que é o desenho do som? Depois de ler esta matéria – que congrega um pouco do histórico do assunto –, você nunca mais ouvirá o mundo da mesma forma.

 

 

Uma breve história da música

Sound Design é muito mais que uma disciplina de UX, e não se resume apenas em remixar áudios. O desenho de som é uma técnica ou “arte” que utilizamos para modificar o som, podendo construir uma narrativa sonora e evocar emoções, refletir o humor e enfatizar ações. Desde a pré-história os humanos utilizam som no teatro, praticas religiosas, guerra etc. A música em si faz parte da história humana assim como as pinturas encontradas nas cavernas de milhares de anos atrás. Por esse motivo não há como falar de desenho de som sem falar um pouco da história da música.

 

O que é música?

Definir a música não é uma tarefa fácil porque apesar de ser intuitivamente conhecida por qualquer pessoa, é difícil encontrar um conceito que abrange todos os significados e a simbologia que envolvem essa prática. Por ser uma manifestação humana, a música contém e manipula o som e o organiza no tempo. A música também pode ser definida como uma forma de linguagem que se utiliza tanto da voz, instrumentos musicais e outros artifícios, para expressar algo.

Como surgiu a música?

Se você achou que só veria números apenas em grids no design, você achou errado. Pitágoras, além de encher seu saco na escola com seu teorema, também é considerado o pai do teorema musical, cuja abordagem ainda rege a música nos dias de hoje. Sim, a música não se trata apenas de ruídos aleatórios. A tese de Pitágoras era a de que existia uma lógica por de trás do som e isso muito provavelmente era responsável por torná-lo agradável ou não. Ele percebeu que a forma como você distribui o som pelo tempo junto à tonalidade pode determinar se o som será agradável ou não.

O Monocórdio foi o instrumento que Pitágoras utilizou para testar e comprovar sua teoria. Esse instrumento era de corda única, isso foi importante na história da música ocidental pois os filósofos e matemáticos da escola pitagórica descobriram todos os princípios matemáticos que regem os intervalos, escalas e a harmonia, dando origem ao estudo da teoria musical há mais de dois mil anos.

 

Por que somos tão sensíveis à música e aos sons?

Os seres humanos possuem cinco sentidos tradicionalmente conhecidos: visão, audição, paladar, olfato e tato. São eles que permitem a captação de imagens, sons, sabores, odores e toques, garantindo uma percepção de todo o ambiente, o que nos possibilita meios para sobreviver ao ambiente. Todos eles têm sua importância, mas a audição é especial. Sabia que o primeiro sentido a ser desenvolvido por completo no feto humano é a audição?

Essa conexão com o sons é o que faz um recém nascido ficar calmo em diversos momentos na presença da sua mãe, já que passou boa parte do tempo ouvindo o timbre da sua voz.

 

Cinema e Música: Um casamento eterno

O cinema é quem mais se aproveita da audição humana, principalmente quando o assunto é trilha sonora. Você com certeza tem uma trilha sonora de algum filme registrada na sua mente. Já tentou imaginar como seria assistir ao filme sem ela? Muito provavelmente seria desconfortável. Lembre-se que até o silencio cumpre um papel em um filme e por esse motivo há momentos onde ele é utilizável, mas na maioria das vezes a trilha sonora é quem dá o “tom” do filme. O filme tem um roteiro e uma história a ser contada, a trilha sonora dá justamente a entonação aos diversos momentos dessa história para evocar e transmitir as emoções correspondentes.

Diferente do que muitos acham, o cinema nunca foi totalmente mudo, eram as tecnologias limitadas que dificultavam a viabilidade de uma qualidade sonora audível. Então de fato a Música e o Cinema sempre tiveram juntos de alguma forma, pois era impossível ver uma imagem e não associar a um som em especial. Há vários registros durante a época do cinema mudo onde havia um pianista nas sala encarregado de criar a sonoridade, improvisando, e que geralmente cumpriam um papel ilustrativo. Além disso no teatro, em peças e apresentações festivas durante as eras mais remotas sempre houve registros de algum tipo de presença sonora.

No cinema especificamente, houve dois exemplos de filmes que se utilizaram do som a fim de se obter um efeito específico ou ajudar a contar a história: O Cantor de Jazz (1927), considerado o primeiro longa-metragem com falas e canto sincronizado a um disco de acetato. Al Jonson, que faz o protagonista, foi o primeiro ator a ter falas registradas em um filme neste projeto. Antes de O Cantor…, porém, a produção muda Aurora (1927), do famoso diretor alemão F. W. Murnau, já trazia sons e ruídos de rua, trens, locomotivas e trilha musical sincronizada à película, e foi portanto o primeiro a de fato transformar a sétima arte para sempre.

 

                                                                                  Aurora (1927), de F. W. Murnau

 

Depois de O Cantor de Jazz e Aurora o cinema nunca mais foi o mesmo, pois a porta das infinitas possibilidades foi aberta. Não é à toa que em maio de 1929 foi realizada a primeira cerimônia da Academia do Oscar, tornando o cinema não apenas uma indústria, mas estabelecendo de uma vez como a sétima arte. Já na década de 1930 surgiram as primeiras premiações referentes à sonoridade dos filmes, dando inícios às categorias específicas – Oscar de melhor som 1932, Oscar de melhor canção original 1935 e Oscar de melhor trilha sonora 1935. Isso evidenciou ainda mais que a “sonoridade” do filme também faz parte da experiência.

Isso é Sound Design

Durante as décadas vários filmes acumularam imensas bibliotecas de efeitos sonoros. Hoje encontramos diversos sites com acervos de sound effects para comprar e usar, mas isso não dispensa o profissional de som. Nem todos os efeitos sonoros o usuário e/ou profissional irá achar pronto e, dependendo do seu contexto, será mesmo impossível. Por isso, hoje, o Sound Designer, um profissional não só faz apenas a sonoplastia (captação), como também realiza a mixagem digital criando os sons a partir do zero ou manipulando sons reais – muitas vezes saindo a campo, captando estes sons em lugares abertos, produzindo-os dentro de um estúdio ou acessando sua própria biblioteca sonora.

Como o Sound Design pode contribuir para a sua Empresa/Marca?

O Sound Design não se restringe somente à indústria do cinema. As empresas por exemplos também precisam da “sua voz”. Audio branding ou Marca Sonora, auxilia em ações de disseminação de cultura e lifestyle de marcas, fidelização de clientes e outras inúmeras possibilidades. Veja alguns exemplos abaixo.

 

1. Comunicação & Marketing

 

 

O banco Next por exemplo tem uma comunicação mais “jovenial”, e para isso utiliza de artifícios musicais que estão estourando entre o público jovem, com o objetivo claro de chamar atenção para sua marca. Veja que eles querem desassociar a sua marca dos “bancões super corporativistas”, pois os usuários têm uma percepção maior a sons e as empresas utilizam disso o tempo todo para transmitir sua própria atmosfera. Assim tornando a experiência única e especial para seus clientes.

O Whatsapp também utiliza do Sound Branding: sabemos que temos uma nova mensagem no app só pela notificação sonora (o famoso assobio do zap, ou o barulho do sininho). Essa associação do assobio/sino à marca tornou-se comum e hoje muitas empresas querem ser reconhecidas pelos seus consumidores. Utilizar artifícios de similaridade ajuda a empresa a se diferenciar das suas concorrentes no mercado, criando um Audio Branding ou Music Branding. Por isso algumas propagandas, sons de apps conseguem se tornar tão memoráveis quanto seus produtos.

2. Interface & Ergonomia

O som pode ser usado para diversos objetivos e finalidades, Por exemplo, um aviso de alerta/princípio de incêndio pode ser incômodo e ensurdecedor para chamar a atenção do usuário de que algo urgente está acontecendo. O som da notificação de quando seu celular está com bateria fraca serve para te auxiliar, pois ninguém fica olhando fixamente para a barra de bateria.

 

 

Além disso também pode ser usado para dar mais Ergonomia. A Apple, por exemplo, a fim de colocar biometria e atender os requisitos da certificação à prova d’agua, colocou um botão imaginário nos iPhones SE 2020. Ele não é clicável, mas ela desenvolveu um meio de dar o feedback do som e tato através da vibração, tornando a experiência semelhante à de um botão real.

No aspecto digital o som faz parte da experiência de uma interface; quando ela se torna digital (não-física), fica mais evidente utilizar esse estímulo. Os objetos que não são tangíveis tendem a passar para os seres humanos como algo não-real. O papel do som aqui se torna mais do que ser ilustrativo, mas sim como o de dar vida à interface e deixá-la se comunicar com o usuário.

 

3. Experiência do Usuário

 

Dependendo da proposta do seu produto fica indiscutível possuir um sonoridade. Por exemplo, o Duolingo, um app de aprendizagem de idiomas, utiliza o som como o principal elemento de comunicação da interface. Não só o reconhecimento de voz que precisa ser refinado como também sua comunicação com o usuário. Sendo um aplicativo de idiomas o foco principal dele é a sonoridade, não há como aprender idiomas sem pronunciá-lo.

 

 

Diversas interações e também a ambientação são criadas como um narrativa continua; isso deixa o usuário focado naquela tarefa. Além disso, em uma caracterização espacial para cada personagem, você consegue reconhecê-lo pelo timbre da sua voz e o qual muitas vezes acaba tornando-se essencial para a resolução da tarefa. O som da notificação quando você ganha um desafio, que é alegre e te passa uma vibe boa por assim dizer, serve para te estimular.

Por isso o Duolingo é extremamente competente e eficaz, principalmente quando o público é mais jovem, pois para reter a atenção de uma criança por exemplo é necessário criar uma atmosfera inteira para deixá-la engajada.

 

Conclusão

Assim como os filmes, queremos também provocar e transmitir as emoções certas para as pessoas. O Sound Design dá essa possibilidade, se aprofundar nessa área com certeza dará uma camada maior em seus projetos/produtos. Como vimos, temos áreas como Audio Branding, Music Branding, que possibilitam o som ser como uma marca “pessoal” de algo/alguém. As possibilidades são infinitas, o importante é não menosprezar essa área, verifique se seu produto não está precisando “falar” ou se ambientar para o usuário.

Lembre-se que o som é mais do que adicionar um arquivo simples de áudio, ele tem o poder de manipular ou provocar emoções nos usuários. Assim como o som é utilizado no cinema, procure transmitir uma experiência compatível com o que você está entregando. Separe um tempo e invista um pouco seus estudo nessa área, com toda certeza você poderá obter grandes frutos e aprendizados. 

 

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Lucas Batista é UX e UI Designer. Escreve para o site UXDesign.