Festivais e Suas Políticas

Uma Reflexão Sobre O Mondo Cane dos Festivais de Cinema

 
Por Marcela Liz
 
Artigos | 04 de Agosto de 2014
 
 
Sim, aqui estamos nós outra vez. E agora com um texto extremamente pertinente com tudo a ver com uma situação atual vivenciada por inúmeros cineastas, produtores e produtoras ao redor do mundo: como inscrever seu curta-metragem em festivais nacionais e internacionais via algumas das principais plataformas online espalhadas pela rede? Essa é uma tarefa que vem se provando cada vez mais hercúlea e difícil – e a qual vem tendo um reflexo direto na distribuição de É Quase Verdade.

 

 “O filme está sendo recusado por todos os festivais que mandamos até agora”, afirma A. Nakamura, production manager para a Sincronia Filmes. “É um mistério adivinhar quais as razões para isso, porque se existe um meio mais complicado e de difícil penetração é a cabeça da maioria desses organizadores e selecionadores de mostras, festivais e exibições em geral. Você nunca sabe o que eles querem, qual o perfil de filme e/ou diretor desejam para seus festivais – muitas das vezes nem eles mesmos sabem como organizar suas próprias festividades (vide para isso a confusão das programações, horários e agendas por exemplo).”
 
Existem as suspeitas, é claro. “Alguns de nós aqui dentro acham que é por causa da duração, de quase (sic) trinta minutos. Isso muitas vezes torna a exibição inviável por causa da grade de programação dos festivais”, diz. “Mas como explicar o fato de estarmos enviando para diversos festivais que aceitam médias de até 30, às vezes 40 minutos (alguns, inclusive, já consideram uma fita acima dos 40 minutos como longa-metragem (!), o que em si já é uma confusão danada, porque fomos “treinados” a saber que longas são acima dos 60 minutos)”, continua Nakamura. “O que nos leva à segunda suspeita: o tema do filme. Parece que muita gente não está achando graça ou interessante um filme que ironiza o cinema brasileiro e seu establishment. Será que estamos vivendo uma total era da caretice e da chatice cinematográficas?”
 
E, finalmente, há ainda o fator das plataformas de distribuição e das fees (taxas) cobradas por elas. “Muitos de nós ficam raivosos (Nakamura não usou essa palavra, mas o bom senso nos leva a substituir o termo empregado por ele) com a quantidade absurda de burocracia, dificuldades e de festivais que cobram inscrição. E isso é um sentimento compartilhado no mundo todo.” Hoje, o monopólio está nas mãos do Withoutabox, uma espécia de Golias quando o quesito é conectar diretores e festivais de cinema – e não apenas os de curta-metragem. É uma plataforma que existe desde o ano 2000 e vem sendo responsável por tornar as inscrições aos múltiplos festivais mais fáceis, rápidas e acessíveis. “Mas é um truque, porque de fácil não tem nada”, ri Nakamura. “Tudo bem que o Withoutabox se firmou como a principal delas (as plataformas), mas é também a mais chata e burocrática de todas, com uma interface nada amigável, inúmeras páginas para se preencher as informações do seu filme e uma infinidade de festivais pagos, alguns com fees astronômicas”, completa.
  
 
                                                                            “Você não me quer no seu festival?”
 
 
Mas, segundo as fontes, o fato de cobrarem taxas não acontece apenas com os diretores, seus filmes e produtoras. Envolve também os próprios festivais de cinema. “Muitos festivais preferem não estar no Withoutabox, porque para eles não é vantagem, já que a plataforma cobra um preço muito alto para eles estarem lá. “Era preciso que um Davi chegasse para degladiar com esse gigante (o qual, aliás, foi comprado pelo IMDb (Internet Movie Database), uma subsidiária da amazon.com), e no fim ele chegou na forma do FilmFreeWay, uma empresa de Vancouver oferecendo uma plataforma rival com “tecnologia mais acessível”, “serviço customizado de verdade” e que ainda por cima “é grátis para diretores” e “simples e justa para festivais””, diz Nakamura. “Começamos a inscrever o É Quase Verdade em vários deles. Ainda há um montante muito grande de festivais que cobram, e, até entendermos como a coisa funcionava, tivemos que mandar um email perguntando onde afinal estavam os festivais gratuitos. Mas no fim, nos entendemos”, completa o produtor.
 
Além do serviço gratuito (basta checar a página deles de FAQ a fim de ficar por dentro de todo o funcionamento), ainda há a facilidade do preenchimento das informações e da subida do filme em arquivo digital para o site deles – e que também pode ser visualizado através de um link no YouTube, Vimeo, Dropbox etc. “Até o Emanuel (Mendes, diretor de É Quase Verdade) se impressionou, porque ele mesmo já estava se desanimando com a burocracia e dificuldades das outras plataformas”, diz Nakamura. O mais curioso é que o FilmFreeWay, embora aparente ser um serviço feito por profissionais de cinema (cineastas, produtores etc), é na verdade um produto criado por programadores desejando oferecer soluções a indústrias e/ou serviços com problemas aparentes de funcionamento e/ou gestão. “O que sem dúvida é o caso com a maioria dessas plataformas de festivais”, ironiza Nakamura.
 
“Parte do excitamento em relação ao FilmFreeWay é não apenas o fato de ser uma empresa canadense (Nakamura morou um tempo no país), com toda a seriedade que se espera de lá, mas também a ideia de uma companhia pequena peitar um gigante dominante de mercado e ainda por cima oferecer um serviço melhor”, salienta o produtor. “Outra parte é porque uma pessoa de verdade atendeu nosso telefonema (no caso, Andrew Michael, um dos fundadores) e ficou feliz em responder nossas dúvidas, uma raridade nos serviços oferecidos hoje em dia.” Segundo as fontes do FilmFreeWay, uma enorme massa de festivais está migrando seus serviços para lá, e em questão de algumas horas, mais de cem festivais haviam feito suas inscrições no site
 
 “Talvez o É Quase Verdade continue a não ser aceito, talvez a carreira dele seja destinada à galeria de filmes malditos e/ou underground formada por uma plateia cult, mas apenas pelo fato de o estarmos distribuindo em uma plataforma feita por cabeças mais abertas, já vai de encontro com as propostas e ideias levantadas pelo filme”, finaliza Nakamura.
 
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Marcela Liz é Jornalista e Empreendedora. Colabora com regularidade para este site.