Como a Inteligência Artificial é Usada na Indústria

Por Siranush Andriasyan

Artigos | 04 de Junho de 2023

Certa vez, o famoso roteirista e dramaturgo Jean-Claude Carrièrre – conhecido por sua fecunda colaboração com o cineasta espanhol Luis Buñuel em alguns dos maiores clássicos do cinema – foi perguntado, em uma roda com estudantes de cinema, se ele achava que um dia, no futuro, computadores iriam fazer filmes. “Sim”, respondeu Carrièrre, “e outros computadores irão assistir.” Essa afirmação bem-humorada, se não escondia uma alfinetada em uma suposta decadência e mediocridade na qualidade dos filmes, também era profeticamente reveladora: o digital, ou seja, a alma dos computadores, realmente tomou de assalto a produção audiovisual como um todo, transformando o cinema e o audiovisual para sempre, no modo como tudo é realizado e principalmente distribuído e consumido. 

E ainda que o pessimismo e a desconfiança de Carrière  de fato desaguaram em uma enorme perda de qualidade desta produção audiovisual, resultando muitas vezes em projetos sem alma ou maior ressonância, eles também foram certeiros nesta nova configuração que agora vem adentrando e dominando cada vez mais os trabalhos feitos para as telas – sejam elas as do cinema, da TV, do streaming ou dos computadores, via a internet e seus meios mais democráticos. Mas nem por isso significam a catástrofe profetizada não apenas pelo roteirista, mas geralmente alardeada por outros profissionais da indústria, principalmente veteranos, acostumados com a sintaxe mais tradicional da produção audiovisual, com roteiro, filmagem, pós-produção e finalização digamos, mais conservadora.    

“O cinema e o audiovisual mudaram muito, em uma velocidade assustadora”, diz Alberto Ismael, o Betão, veterano editor, ex-cameraman de TV e um dos mais constantes colaboradores da Sincronia Filmes – um profissional justamente acostumado a esse modus operandi e abordagem mais clássicos da área. “Basta ver a enormidade de aplicativos que hoje auxiliam a equipe na filmagem e finalização de um projeto – sejam esses apps dentro da própria câmera ou nos computadores. E há ainda aqueles aplicativos que emulam com perfeição o que antes era padrão na indústria, como o uso do filme, dos grãos, da moviola, e assim por diante. E agora temos o AI, com seus algoritmos sofisticados permitindo um sem-número de possibilidades e perspectivas as mais diversas para te auxiliar a contar a história. De uma certa maneira, e guardadas as devidas proporções, está cada vez menos difícil e trabalhoso dedicar-se a essa nova atividade. Meu medo, de uma certa maneira, é que também está ficando cada vez mais solitária, em um meio onde a colaboração em equipe e o relacionamento interpessoal são a regra máxima”, avalia o editor.

Jean-Claude Carrière

Mas no entanto é tudo absolutamente inescapável: a inteligência artificial está revolucionando o audiovisual: da pré-produção à pós-produção, distribuição e lançamento, não há setor onde ela não esteja inserida para auxiliar a equipe em algum ponto nevrálgico. “Vejo de uma outra perspectiva”, afirma Alê Rodrigues, um dos diretores colaboradores para a Sincronia, e ele próprio um entusiasta das novas tecnologias. “Acho que o AI não só veio para ficar como também facilitar o que antes levava por exemplo horas ou às vezes dias ou meses para se finalizar. Posso citar um exemplo de um próprio trabalho aqui da Sincronia – o curta Amarar, que passou por uma remasterização recentemente e no qual precisamos apagar determinados detalhes e problemas da filmagem utilizando quase que inteiramente o AI. Um processo que economizou tempo, dinheiro, e resultou tão bom quanto como se tivéssemos feito pela forma tradicional”, diz.

Para quem já teve a oportunidade de assistir ou experimentar um trabalho audiovisual realizado por AI sabe que a revolução não será (é) pequena: integrada a praticamente todas as etapas do processo – até mesmo para prever o sucesso de um filme (pasmem!) –, a tecnologia pode escrever roteiros, desenhar gráficos, selecionar o elenco e equipe, e promover o trabalho de acordo com o público-alvo. Até mesmo a publicidade, tão dedicada e necessitada à formação de público, vem realizando trabalhos inteiramente com inteligência artificial. “Outro dia assisti a um comercial de carro feito só com AI, e a câmera viajava e mostrava ângulos virtualmente impossíveis de serem realizados no set, fazendo da forma tradicional”, conta Alê Rodrigues. 

Para entender essa revolução, selecionamos abaixo alguns dos pontos mais importantes da feitura de um projeto audiovisual e como o AI vem exercendo influência em todos eles.

ESCREVER ROTEIROS

Escolher um roteiro que terá impacto e irá gerar receitas é extremamente importante na área. Utilizar o AI na criação de novos scripts pode ajudar cineastas e diretores nesta tarefa de maneira mais rápida e eficiente. Alimentados com grande quantidade de dados e informação no formato de roteiro, os algoritmos de processamento das máquinas analisam esses dados, aprendem a partir deles, e desenvolvem roteiros absolutamente únicos. Isto torna o processo – que às vezes para muitos é penoso e difícil – muito mais rápido, economizando tempo e recursos para os profissionais. O avanço também pode ser usado para se analisar roteiros já escritos e ver as possibilidades de serem filmados (ou não). O AI também pode estudar o storyline do script, levantar possíveis questões, incertezas, sugestões, tornando o processo de análise de roteiros mais eficiente, fácil e rápido.  

AUXILIAR NA PRÉ-PRODUÇÃO

O AI possui grande potencial na simplificação do processo de pré-produção ao ajudar a planejar agendas, encontrar as melhores locações que se ajustam ao storyline, e auxiliar nos outros processos preparatórios. Implementar o AI irá automatizar o planejamento da filmagem de acordo com a disponibilidade dos atores, o que irá economizar tempo (um artigo precioso para a área), e aumentar a eficiência. Além disso, o sistema de AI pode analisar as locações descritas no roteiro e recomendar os melhores lugares para se realizar a filmagem, da mesma forma economizando tempo e trabalho na procura das locações. 

PREVER O SUCESSO DE UM FILME 

O AI também pode ser utilizado na análise do roteiro para prever com antecedência o sucesso ou não do filme e eventualmente as receitas geradas por ele. Embora os números do algoritmo não sejam exatamente precisos, eles podem auxiliar o produtor e já vêm atraindo grande interesse deles. Diversos estúdios em Hollywood, por exemplo, já usam o AI para analisar os dados de sucesso de suas produções – beneficiando-se de várias plataformas disponíveis no mercado para lhes dar os eventuais resultados. A tecnologia está tão precisa que é possível até inserir os gêneros das películas (terror; comédia etc) e deixar o trabalho com a inteligência artificial. 

SELECIONAR O ELENCO

Ao automatizar a seleção do elenco – um processo que também leva tempo e desprende um certo número de pessoas e logística –, o AI torna mais veloz a função, facilitando a vida da equipe. De acordo com determinados critérios e descrição de imagem, a inteligência artificial procura pelos atores certos e/ou mais adequados em bancos de dados destes profissionais. Quando alimentado com grande quantidade de dados descrevendo as diversas expressões faciais e as emoções procuradas, o algoritmo pode ser usado para sobrepor o rosto digital do ator em um dublê, por exemplo, a fim de reter expressões naturais do artista original. Assim, o AI pode também inserir personagens digitais em diferentes emoções e até mesmo rejuvenescer atores para certos papeis e/ou cenas. Diretores e cineastas também podem se beneficiar ao criar personagens inteiramente digitais a partir do deep learning da tecnologia. 

PROMOÇÃO E DIVULGAÇÃO

Produtores vêm usando o AI para uma promoção, divulgação e marketing mais eficiente. Analisando diferentes fatores como a base da audiência (por exemplo, o público adolescente, grande consumidor de filmes de terror), a popularidade de um astro do cinema ou da TV, os profissionais podem montar campanhas específicas e assertivas mirando a região do globo mais propícia ao sucesso do projeto e onde o grau de interesse do público seja mais certeiro. Até mesmo na produção de vídeos curtos ou filmes institucionais o AI pode ser usado e dar os resultados mais esperados pelos criadores de conteúdo. 

EDIÇÃO E MONTAGEM

Editores e montadores podem se beneficiar do AI para criar trailers dos projetos que sejam excitantes e despertem o interesse. Ainda que este seja um requisito básico na hora de promover um filme, vídeo ou institucional, o algoritmo sabe selecionar sequências de ação, emoção ou excitamento e auxiliar o profissional para facilitar a criação de uma peça promocional verdadeiramente estimulante e que faça o público querer voar para as salas de exibição para assistir.

MÚSICA

As ferramentas básicas do AI já podem ser utilizadas para a criação e a composição de música – um teste neste sentido foi feito alguns anos atrás onde um algoritmo foi capaz de recriar uma sinfonia de Mozart quase inteiramente. Usando aprendizado reforçado, a tecnologia pode analisar dados de diferentes composições (ou instantes de uma partitura) e desenvolver um padrão musical para se adaptar ao universo e/ou gênero do filme/projeto, dependendo daquilo que se espera dele. Ainda que não tanto utilizado assim na indústria do audiovisual como poderíamos pensar, muitas empresas de tecnologia já aderiram ao AI para desenvolver sistemas capazes de aprender diferentes estilos de música a partir de uma base de dados de canções e composições e assim criar música inteiramente nova e original. E mesmo que ainda exista certo ceticismo sobre até onde o AI pode criar música como um verdadeiro compositor, a tecnologia pode ao menos, neste momento, auxiliar o profissional para criar composições originais, com algumas peças invariavelmente utilizadas em cenas ou filmes inteiros.

PRODUÇÃO DE FILMES

E por fim, mas não menos importante – a Inteligência Artificial pode, sim, fazer seus próprios filmes. O AI Benjamin, como foi conhecido, criou inteiramente o filme Zone Out – uma experiência em ficção-científica – em apenas 48 horas, com a ajuda de Ross Goodwin. Embora o filme não tenha ganhado nenhum prêmio ou ficado exatamente famoso, foi uma experiência desafiadora e impressionante e um enorme passo à frente na automação da criação em vídeo utilizando a tecnologia do AI.